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Pesquisa do HU-UFSC aborda circuitos cerebrais envolvidos com a sensação de medo

Doenças psiquiátricas

Pesquisa do HU-UFSC aborda circuitos cerebrais envolvidos com a sensação de medo

Estudo foi publicado na revista “Molecular PSychiatry”, do grupo Nature

Florianópolis (SC) – Um estudo inédito, desenvolvido por professores pesquisadores que atuam no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC), vinculado à Rede Ebserh, e no Centro de Ciências Biológicas da UFSC abriu as portas da ciência para entender os mecanismos sinápticos envolvidos com a manifestação de medo neste mês de agosto de 2018. Os resultados permitem compreender sintomas relacionados a doenças mentais que envolvem estes mecanismos, como estresse pós-traumático, depressão, síndrome do pânico e ansiedade.

A pesquisa, coordenada pelo professor e neurofisiologista clínico especializado em cirurgia de epilepsia, Roger Walz, recebeu neste ano o prêmio Paulo Niemayer de Estudos em Cirurgia de Epilepsia, conferido no Congresso da Liga Brasileira de Epilepsia, e representa um marco na história da ciência catarinense, já que esta foi a primeira vez que uma equipe do estado recebeu esta premiação. Além disso, a pesquisa completa foi publicada em uma das mais importantes revistas da área de psiquiatria a “Molecular PSychiatry” do grupo Nature.

Roger Walz explicou que o estudo foi feito em pacientes que sofriam de epilepsia de lobo temporal intratável com medicamentos e foram submetidos a neurocirurgia. Como o procedimento consiste na remoção de tecidos cerebrais, foi possível estudar este material retirado, o que levou a equipe a entender melhor como o cérebro humano funciona ao desencadear a “sensação de medo”, que é um dos sintomas narrados por 15% dos pacientes logo no início da crise epiléptica originada na região temporal, internamente no crânio logo à frente da orelha.

O professor explicou que, quando uma pessoa tem uma crise epiléptica, na fase inicial, ela pode perceber sintomas e reações comandadas pelo cérebro, como a contratura muscular em algumas partes do corpo, sensações visuais e outras. Essas sensações ocorrem pela ativação elétrica anormal de áreas do cérebro durante a crise epiléptica e que estão envolvidas funções específicas.

Experiência de medo

Uma parte destes pacientes relata que vive uma experiência intensa de medo, o que dura até 10-15 segundos e em seguida perde a consciência. A sensação descrita pelo paciente é semelhante à que sentimos quando tomamos um susto, e ocorre pela ativação de regiões do cérebro que compõe o chamado “circuito de defesa”.

Como o tecido anormal que causa as crises contém estruturas conectadas aos circuitos de defesa que detectam o medo, a cirurgia permite que as estruturas sejam estudadas através de técnicas de neuroquímica.

Os estudos da equipe catarinense apontaram que o parte do tecido cerebral retirado dos pacientes com epilepsia de lobo temporal e que tinham experiência repetitiva de medo apresentava modificações neuroquímicas nas sinapses que não foram vistas nos pacientes que tinham epilepsia de lobo temporal mas não apresentavam os sintomas de medo durante a crise.

Com isso, foi aberto o caminho para estudar esta experiência em cérebros de humanos analisando diretamente o tecido cerebral. Esta possibilidade traz a perspectiva de se poder estudar estas modificações neuroquímicas e sua associação com outras manifestações psiquiátricas dos pacientes. “Esta é a etapa que estamos realizando agora”, disse Roger Walz.

Cirurgias

De 2008 a 2015, as equipes do Hospital Celso Ramos e do HU-UFSC realizaram 94 cirurgias em pacientes com epilepsia de refratária ao tratamento farmacológico. Segundo Roger Walz, os pacientes candidatos para a cirurgia são aqueles que não controlam as crises epilépticas com tratamentos medicamentosos.

Os pacientes apresentam em média oito crises epilépticas por mês, e a cirurgia resulta em um controle total das crises em 70% deles. Outros 20% apresentam uma redução significativa das crises, passando a apresentar no máximo dois por ano, e em 10% o procedimento não é efetivo. Os riscos de complicações irreversíveis são inferiores a 1% e o grupo como refere uma melhora significativa da qualidade de vida medida através de questionários validados cientificamente.

Segundo Roger Walz, estima-se que 1% da população sofra de algum tipo de epilepsia, o que resulta em cerca de 60 mil indivíduos em Santa Catarina. Destes, em torno 12 mil a 18 mil não conseguem controle adequado das crises com tratamento através de medicamentos, sendo candidatos à avaliação para analisar a possibilidade de realizar a cirurgia. O estudo analisou o material retirado de 31 pacientes e garantiu novas perspectivas para entender não somente os casos de epilepsia, mas o tratamento de doenças psiquiátricas comuns a grande parte da população.

Além de promover a melhora significativa e imediata da qualidade de vida dos pacientes através de cirurgia de epilepsia, as pesquisas auxiliam na compreensão de mecanismos de neuroplasticidade envolvidos com as reações de estresse e medo, intimamente ligadas a doenças psiquiátricas como o estresse pós-traumático, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade e depressão.

Projeto de estudo

O estudo, intitulado “Níveis da subunidade GluA1 na amígdala e seu estado de fosforilação na serina 845 no hipocampo anterior são biomarcadores de medo ictal mas não de ansiedade” foi realizado por uma equipe multidisciplinar, incluindo o neurocirurgião Marcelo Linhares, professor do Departamento de Cirurgia do Hospital Universitário, a professora Kátia Lin, chefe do serviço de Neurologia do HU, o professor Rodrigo Leal (Departamento de Bioquímica, Centro de Ciências Biológicas), sob a coordenação do professor Roger Walz, além de alunos de cursos de pós-graduação. Os resultados foram publicados no mês de junho na importante revista Molecular Psychiatry do grupo Nature.

Sobre a Ebserh

Desde março de 2016, o HU-UFSC faz parte da Rede Ebserh. Vinculada ao Ministério da Educação, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) atua na gestão de hospitais universitários federais. O objetivo é, em parceria com as universidades, aperfeiçoar os serviços de atendimento à população, por meio do Sistema Único de Saúde - SUS, e promover o ensino e a pesquisa nas unidades filiadas.

Criada em dezembro de 2011, a empresa administra atualmente 40 hospitais e é responsável pela gestão do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), que contempla ações em todas as unidades existentes no país, incluindo as não filiadas à Ebserh.

*Matéria publicada pós-eleição em virtude da legislação eleitoral

Com informações do HU-UFSC